Gostei tanto do texto, que o rapinei da caixa de comentários deste excelente Blog
Jorge Arriaga disse...
Fico grato pelo destaque dado ao meu pequeno depoimento.
O chamado lobby das Ciências da Educação foi longe de mais no nosso país (como já aconteceu em outros, que tiveram entretanto que arrepiar caminho, ante o descalabro que se gerou).
As ideias românticas da "criança-flor", do "bom selvagem, que nos vem ensinar a pureza destruída pela Sociedade perversa", todos esses lugares-comuns, agora estafados, tiveram a sua razão de ser na literatura especializada.
As crianças eram vistas como matéria bruta a lapidar pelo professor. E as imagens das palmatoadas e dos castigos geraram uma reacção oposta e igualmente extrema. Os teóricos da Educação, que nos chamam depreciativamente "os práticos da Educação", têm dessas coisas.
Quando as teorias são despejadas na realidade, efeitos adversos se produzem. Nos primeiros anos do Governo de Guterres, com a sua folclórica "paixão pela Educação", assistiu-se a um caudal legislativo que visava proteger os alunos dos malandros insensíveis dos professores.
Foi o início da fúria legislativa, com recomendações redundantes, sem espaço para o bom-senso. Tudo tinha que ser regulamentado exaustivamente. Regulamentos Internos, estatutos disto e daquilo, a par de uma cómica proclamação de autonomia das escolas.
Saíram nessa altura documentos das DRE que proibiam, por exemplo, que se expulsassem alunos da sala de aula. Os alunos que prevaricavam tinham no Director de Turma uma espécie de advogado de defesa nomeado pelo Estado.
Assistiu-se ao nascimento de uma regra não escrita que definia que o bom professor era o que se humilhava, o que manifestava o maior servilismo e patética submissão incondicional aos alunos e Encarregados de Educação. Isto foi apreendido assim por milhares de professores em início de carreira: ser professor é ser um escravo, um que nunca tem razão, um que se assume sempre culpado mesmo sem ter culpa nenhuma. E os alunos e pais exactamente o oposto.
Foi a época em que se usou muito chavões como:
- "Professor que dá más notas, dá más notas a si mesmo";
- "O programa é secundário, importante é a socialização, as actividades lúdicas, a aprendizagem pelo jogo, não compartimentar os saberes";
- "A um aluno de Lisboa deve-se exigir muito mais que a um aluno da Serra da Estrela" (curiosa obsessão com os alunos da Serra da Estrela, que pelos vistos são cidadãos de segunda, são coitadinhos;
- O mau comportamento dos alunos é sempre consequência da inabilidade dos professores para os motivar";
- etc., etc..
Nessa altura, Ana Benavente implantou a Área de Projecto e o Estudo Acompanhado, fiel ao ideário correlato de que quantidade é qualidade. Assim sendo, mais horas de aulas, aulas de 90 minutos, eram coisa boa.
Simultaneamente, afirmava que "há disciplinas de primeira e de segunda", e ameaçou extinguir algumas, argumentando que a Área de Projecto seria capaz de colmatar essas ausências. Flagrante contradição com o "estado da arte" em matéria de ensino, mas estes grandes inovadores modernaços são no fundo uns tacanhos.
Benavente já dava uns ares da actual Ministra. Em reuniões com professores, ouvia algumas perguntas e abandonava a sala, sem responder, toda abespinhada.
A saga dos currículos alternativos também começou aí. Havia escolas com oferta de cursos técnicos a sério, mas as oficinas foram encerradas e em vez disso mandava-se os professores desenhar currículos alternativos. As "ordens para passar" qual 007, passaram a ser uma constante. Foi a época do famoso chavão:
"Se sabem sentar-se numa cadeira já merecem positiva"!!!!!
Também outros lindos raciocínios do tipo:
"É impossível um aluno ter "três" no 1º período e ter "dois" no 2º período, porque ele não desaprendeu"!!!
DIGA!!!!...
Então se um aluno tem positiva no 1º período, passa o ano, mesmo que passe o resto das aulas a dormir! Foi o que aconteceu...
Depois não se reprovava por faltas. Os professores, despojados de autoridade meio de controlo, sentiam-se palhaços perante essa de os alunos não poderem descer (podia, mas era muito mal visto), por isso passou-se do as faltas não contam para um controlo maníaco das faltas.
E aqueles absurdos planos de recuperação em que nos comprometemos a "prestar mais atenção ao aluno" que teve "dois" (porque se esteve nas tintas, ou detesta a escola, ou não tem capacidade) assumindo que a culpa é nossa?
É mais fácil promover sucesso artificial do que melhorar as condições de vida das pessoas, diversificar oferta educativa, ou assumir, impopularmente, que a escola tem regras, e que quem não respeita deve sair...
É muita asneira de enfiada... E atingiu o paroxismo agora, no estado em que estamos. Foi-se descaracterizando, retirando espaço ao bom-senso, infantilizando o ensino e os professores, que se viram reduzidos a servos dos alunos.
E a Sociedade também tem mudado. Deixou de haver referências morais claras. Ou pelo menos de conduta. pais impreparados (somos recordistas de tudo o que é negativo na Europa) viram-se investidos de uma autoridade que raia o absurdo, do tipo terem que autorizar a que os alunos fiquem "retidos". Nem todos os pais têm capacidade para isso, e não é uma questão de habilitações académicas, de conta bancária ou de Q.I.. É de educação.
O capitalismo selvagem que entretanto ganhou terreno, explora os pais, que se sentem frustrados por não poderem dar os bens materiais todos aos filhos, de não terem disponibilidade para os acompanhar, de estes não serem eventuais "triunfadores".
Essas tensões explodem contra os professores, potenciadas pela desautorização destes últimos.
Por causa de tudo isto, que o Reino Unido viveu, como nós, eles optaram pelo "back to basics". Não é simples. A Política, também pela mão dos sindicatos, nem sempre faz o que é melhor, mas o que convém mais no seu jogo de interesses.
Bom senso, pragmatismo, esclarecimento, equilíbrio, precisam-se urgentemente.
Eu por mim estou farto de aturar acções de formação surrealistas, que parecem mais lavagens ao cérebro para executivos da sonae. Estou farto de passar a vida a ler legislação, a tentar entendê-la, e a ouvir colegas indignados porque não estou a par de todas as nuances dos decretos e diplomas.
Se um médico tem direito à satisfação de curar os doentes, um ladrilhador à de ver os ladrilhinhos todos bem colocados, eu gostava de voltar a fazer o que faço melhor, plenamente.
Chiii... Como me alonguei... O que faz o sono... Desculpem qualquer coisa!
15 de Fevereiro de 2009
Fico grato pelo destaque dado ao meu pequeno depoimento.
O chamado lobby das Ciências da Educação foi longe de mais no nosso país (como já aconteceu em outros, que tiveram entretanto que arrepiar caminho, ante o descalabro que se gerou).
As ideias românticas da "criança-flor", do "bom selvagem, que nos vem ensinar a pureza destruída pela Sociedade perversa", todos esses lugares-comuns, agora estafados, tiveram a sua razão de ser na literatura especializada.
As crianças eram vistas como matéria bruta a lapidar pelo professor. E as imagens das palmatoadas e dos castigos geraram uma reacção oposta e igualmente extrema. Os teóricos da Educação, que nos chamam depreciativamente "os práticos da Educação", têm dessas coisas.
Quando as teorias são despejadas na realidade, efeitos adversos se produzem. Nos primeiros anos do Governo de Guterres, com a sua folclórica "paixão pela Educação", assistiu-se a um caudal legislativo que visava proteger os alunos dos malandros insensíveis dos professores.
Foi o início da fúria legislativa, com recomendações redundantes, sem espaço para o bom-senso. Tudo tinha que ser regulamentado exaustivamente. Regulamentos Internos, estatutos disto e daquilo, a par de uma cómica proclamação de autonomia das escolas.
Saíram nessa altura documentos das DRE que proibiam, por exemplo, que se expulsassem alunos da sala de aula. Os alunos que prevaricavam tinham no Director de Turma uma espécie de advogado de defesa nomeado pelo Estado.
Assistiu-se ao nascimento de uma regra não escrita que definia que o bom professor era o que se humilhava, o que manifestava o maior servilismo e patética submissão incondicional aos alunos e Encarregados de Educação. Isto foi apreendido assim por milhares de professores em início de carreira: ser professor é ser um escravo, um que nunca tem razão, um que se assume sempre culpado mesmo sem ter culpa nenhuma. E os alunos e pais exactamente o oposto.
Foi a época em que se usou muito chavões como:
- "Professor que dá más notas, dá más notas a si mesmo";
- "O programa é secundário, importante é a socialização, as actividades lúdicas, a aprendizagem pelo jogo, não compartimentar os saberes";
- "A um aluno de Lisboa deve-se exigir muito mais que a um aluno da Serra da Estrela" (curiosa obsessão com os alunos da Serra da Estrela, que pelos vistos são cidadãos de segunda, são coitadinhos;
- O mau comportamento dos alunos é sempre consequência da inabilidade dos professores para os motivar";
- etc., etc..
Nessa altura, Ana Benavente implantou a Área de Projecto e o Estudo Acompanhado, fiel ao ideário correlato de que quantidade é qualidade. Assim sendo, mais horas de aulas, aulas de 90 minutos, eram coisa boa.
Simultaneamente, afirmava que "há disciplinas de primeira e de segunda", e ameaçou extinguir algumas, argumentando que a Área de Projecto seria capaz de colmatar essas ausências. Flagrante contradição com o "estado da arte" em matéria de ensino, mas estes grandes inovadores modernaços são no fundo uns tacanhos.
Benavente já dava uns ares da actual Ministra. Em reuniões com professores, ouvia algumas perguntas e abandonava a sala, sem responder, toda abespinhada.
A saga dos currículos alternativos também começou aí. Havia escolas com oferta de cursos técnicos a sério, mas as oficinas foram encerradas e em vez disso mandava-se os professores desenhar currículos alternativos. As "ordens para passar" qual 007, passaram a ser uma constante. Foi a época do famoso chavão:
"Se sabem sentar-se numa cadeira já merecem positiva"!!!!!
Também outros lindos raciocínios do tipo:
"É impossível um aluno ter "três" no 1º período e ter "dois" no 2º período, porque ele não desaprendeu"!!!
DIGA!!!!...
Então se um aluno tem positiva no 1º período, passa o ano, mesmo que passe o resto das aulas a dormir! Foi o que aconteceu...
Depois não se reprovava por faltas. Os professores, despojados de autoridade meio de controlo, sentiam-se palhaços perante essa de os alunos não poderem descer (podia, mas era muito mal visto), por isso passou-se do as faltas não contam para um controlo maníaco das faltas.
E aqueles absurdos planos de recuperação em que nos comprometemos a "prestar mais atenção ao aluno" que teve "dois" (porque se esteve nas tintas, ou detesta a escola, ou não tem capacidade) assumindo que a culpa é nossa?
É mais fácil promover sucesso artificial do que melhorar as condições de vida das pessoas, diversificar oferta educativa, ou assumir, impopularmente, que a escola tem regras, e que quem não respeita deve sair...
É muita asneira de enfiada... E atingiu o paroxismo agora, no estado em que estamos. Foi-se descaracterizando, retirando espaço ao bom-senso, infantilizando o ensino e os professores, que se viram reduzidos a servos dos alunos.
E a Sociedade também tem mudado. Deixou de haver referências morais claras. Ou pelo menos de conduta. pais impreparados (somos recordistas de tudo o que é negativo na Europa) viram-se investidos de uma autoridade que raia o absurdo, do tipo terem que autorizar a que os alunos fiquem "retidos". Nem todos os pais têm capacidade para isso, e não é uma questão de habilitações académicas, de conta bancária ou de Q.I.. É de educação.
O capitalismo selvagem que entretanto ganhou terreno, explora os pais, que se sentem frustrados por não poderem dar os bens materiais todos aos filhos, de não terem disponibilidade para os acompanhar, de estes não serem eventuais "triunfadores".
Essas tensões explodem contra os professores, potenciadas pela desautorização destes últimos.
Por causa de tudo isto, que o Reino Unido viveu, como nós, eles optaram pelo "back to basics". Não é simples. A Política, também pela mão dos sindicatos, nem sempre faz o que é melhor, mas o que convém mais no seu jogo de interesses.
Bom senso, pragmatismo, esclarecimento, equilíbrio, precisam-se urgentemente.
Eu por mim estou farto de aturar acções de formação surrealistas, que parecem mais lavagens ao cérebro para executivos da sonae. Estou farto de passar a vida a ler legislação, a tentar entendê-la, e a ouvir colegas indignados porque não estou a par de todas as nuances dos decretos e diplomas.
Se um médico tem direito à satisfação de curar os doentes, um ladrilhador à de ver os ladrilhinhos todos bem colocados, eu gostava de voltar a fazer o que faço melhor, plenamente.
Chiii... Como me alonguei... O que faz o sono... Desculpem qualquer coisa!
15 de Fevereiro de 2009
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