domingo, 14 de dezembro de 2008

"Estou de volta para desabafar convosco"

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Simão Pintor publicou este texto no Lusoxadrez:



"Caros colegas xadrezistas, (clike para ver o post no seu contexto original)

Estou de volta para desabafar convosco sobre aquilo a que assisti hoje, quando fui disputar um torneio de semi-rápidas aqui no Porto, no Clube Desportivo Portugal, perto da estação de Campanhã.

Já nao jogava xadrez há algum tempo, e então decidi participar neste torneio que ocupava apenas a tarde de Sábado. Porém, não foi preciso muito tempo para perceber que haveria programas muito melhores do que aquele pelo que optei... Confused

Para começar, as instalações deixavam muito a desejar (telhado super-fragil que permitia ouvir o barulho da chuva como de um tsunami se tratasse), e uma sala super fria (que mereceu o perspicaz comentário irónico do meu derradeiro adversário - "esqueceram-se de ligar o ar condicionado Razz "). Mas fossem esses todos os problemas...

Não havia mesmo condições nenhumas para se jogar xadrez.. ainda estava a grande maioria dos jogos na abertura e miúdos pequenos corriam desenfreadamente (!!!) pela sala, berrando alto à vontade, sem que ninguem os impedisse de tal, nem lhes ordenasse para abandonarem a sala. Incompetência do árbitro, de muitos dos pais que la estavam e que, sabendo que no xadrez se exige silêncio, estavam mais preocupados com a diversão dos filhos, bem como de muitos outros...

Deparado com esta situação, comentei-a com um habitual organizador de torneios, que me informou que muitos dos responsáveis pelo enorme barulho até eram seus alunos. Atónito, perguntei-lhe porque não fazia algo então... Respondeu-me que havia alguem responsável por eles presente no torneio. Perguntei-lhe, então, onde estava essa pessoa.. E a resposta foi...' Está naquela sala que tem a televisão a ver o Manchester !!'

Brilhante, não acham? xD Fantástico.. Indescritível ! Cruzou-me a mente a imagem do tal indivíduo, que eu totalmente desconheço, paulatinamente a ver o jogo do Manchester, quiçá a beber a sua cerveja e a comer o seu tremoço, enquanto as crianças por que estava responsável estragava o ambiente de quem tentava jogar xadrez... Sim, as preocupações do homem deviam ser 'será que o Manchester conseguirá aproveitar a escorregadela de Arsenal e Liverpool para se chegar à frente ganhando em White Hart Lane ao Tottenham ? Oh, que chatice.. empatou 0-0' xD (e eu sou adepto do futebol, faria se nao fosse). Sem duvida a preocupação do momento no torneio, não acham? Note-se bem que nao estou com isto a criticar seja quem for em particular, mas sim uma situação que em geral é absolutamente lamentável...

Aliado a este facto, joguei na 1ª jornada com um miúdo que, jogando eu de brancas, jogou assim : 1.d4 e5 2.dxe5 Re7 (!) seguido de Re6, etc.. e a certa altura começava a colocar o Rei em casas em que não podia, e como tal eu tinha de estar constantemente a avisá-lo que estava a cometer lances ilegais e tinha de mover outra peça.. Nisto os jogadores dos tabuleiros mais próximos protestavam por eu estar a falar.. Que poderia eu fazer ? Qual é a lógica de levar jogadores que ainda não saibam as regras nem quase mexer as peças para os torneios ? Para fazer número ? Para causar barulho e perturbar quem está a tentar jogar ?

Perguntas sem qualquer resposta possível... Para mim o xadrez já há muito perdeu o interesse competitivo, eu jogo xadrez agora pelo simples gosto que tenho em disputar a modalidade, mas desta forma não dá gosto jogar xadrez, não desperdiçarei mais tardes de Sábado assim...

E muitos de vocês pensarão 'Olha o puto, de 17 anos, armado em social e crescido, acha que tem muito para onde se virar e por isso o xadrez perdeu importância..'

Mas quem assim pensa está fortemente enganado.. Precisamente por ser 'puto', sei como a modalidade é vista por 95% dos não-praticantes da minha faixa etária - um desporto nada atractivo.. e certamente que se a algum deles fosse apresentado um evento destes.. a imagem não seria nem de perto nem de longe a adequada... Assim, nem eu tenho vontade de jogar xadrez, quanto mais pessoas que supostamente para a modalidade estariam em vias de ser cativadas.

Assim, não vale a pena o esforço daqueles que trabalham em prol do xadrez, projectos como os do município do Porto ou do Barreiro, apoios como o que foi conquistado pelo Dias Ferreira à câmara de Matosinhos...

Felizmente (ou não) os dirigentes ao fornecerem apoios nao fazem visitas periódicas a torneios como estes, caso contrário o xadrez português rapidamente entraria ainda mais em falência...

Queixam-se que Portugal não vai a lado nenhum, mas não sabem porquê... Aqui está a resposta... Eu quando tinha 8 anos e aprendi a jogar xadrez, ensinaram-me logo que mais importante do que perder ou ganhar era o comportamento dentro e fora do tabuleiro.. Ai de mim que alguma vez fizesse barulho quando acabasse o meu jogo.. Agora, ninguém se importa com isso...

Deixo convosco o meu desabafo e peço desde já desculpa se feri a susceptibilidade daqueles que pensam que o xadrez em Portugal está melhor, está a evoluir, etc.. Não está, e continuará muito longe disso enquanto ninguém fizer algo para isto mudar.

Bom Natal para todos."

Apesar de não os conhecer pessoalmente tenho um especial apreço pelas opiniões expressas por estes jovens irmãos: Simão Pintor e Ariana Pintor.
Todas as intervenções demonstram que são de jovens bem formados ,maduros,que mostram saber o que querem e com capacidade crítica sem usar do fácil "bota-abaixo".
Parabéns a eles!

Retirado DAQUI - 1800 crianças na V Copa de Xadrez Escolar Ayrton Senna

Quero também dizer-vos que a minha opinião é coincidente e expressei em resposta ao Simão no mesmo Lusoxadrez o seguinte:


"Não podia estar mais de acordo com o Simão. Muita gente confunde ser um desporto amador com amadorismo.
Quantas vezes não deparamos com torneios que são para começar por exemplo às 10 e a essa hora ainda está a organização a "montar o terreno de jogo"?
Considero inadmissível que gente preparada para planificar e estruturar (jogadas) não saiba, ou não queira planificar um torneio como deve ser. Basta levantar cedo e respeitar quem fez centenas de Kms para estar presente à hora determinada. É apenas uma questão de RESPEITO!
Amador é alguém que não recebe, mas que tenta fazer as coisas como os profissionais, e se possível melhor ainda.
Outra observação muito bem feita é na generalidade dos torneios a "putalhada" andar a correr e a gritar de um lado para o outro.
Claro que os miúdos necessitam de brincar e essas correrias fazem parte do desenvolvimento normal de uma criança.
Mas por favor, e isto é um apelo aos senhores treinadores de jovens, aos responsáveis pelos clubes, e aos pais.
Um torneio não é o jardim infantil nem a brincolândia ou uma festa do Macdonalds.
É um torneio! O xadrez exige concentração!
Os treinadores (e agora saíram umas fornadas) deveriam logo desde a 1ª aula explicar que a regra numero UM é jogar xadrez em silêncio.
Gostaria de saber se em alguma parte dos programas de formação de treinadores são dedicados à ética e ao comportamento do jogador de xadrez. Mera curiosidade...
Tal como é de boa educação não se levantar da mesa enquanto outras pessoas estão a comer, ou no mínimo pedir licença, no xadrez essa regra é semelhante.
Quando terminar a sua partida e depois de cumprir as formalidades, ou assiste aos outros jogos em completo silêncio, ou abandona o local do jogo e extravasa a tensão acumulada. Elementar !
Depois, sempre achei que torneios de xadrez entre adultos e crianças são contraproducentes e desvirtuam as classificações.
Sou contra o desembarcar de uma carrada de miúdos num torneio apenas porque é bonito aparecer, e faz número.
Esse prémio (poder participar) deveria ser um privilégio de 1 ou 2 jogadores do clube que estejam em franca progressão. Esse prémio obrigaria os outros a trabalhar e só deveria ser dado aos melhores.
No entanto não se infira das minhas palavras que não gosto de ver a miudagem a jogar. Antes pelo contrário! Deve ser é no local próprio, e baterem-se com gente de faixas etárias semelhantes.
Os melhores terão sempre oportunidade de evoluir e passarem para o outro escalão (o dos "grandes"). Terão é de fazer por isso !
Propunha até aos organizadores de torneios estabelecerem ELO mínimo para determinadas idades poderem participar.
Um jogador sub 12, por exemplo com 1400 ELO quase de certeza não é visto a berrar ou a correr pelos torneios.
Se aos elos mínimos recomendados para cada idade (para efeitos de cálculo ELO) somarmos 150, ou 200 pts, encontramos rapazes e raparigas que já tiveram de fazer algo para aprender xadrez.
Recomendaria isto pelo menos até aos Sub 12... "


1 comentário:

Anónimo disse...

Sem querer fazer de advogado do diabo...


Xadrez, como os chapéus, há muitos...

Além dos diferentes ritmos e da correspondência, há a captação, a massificação e a competição; o jovem, o feminino, o universitário, o sénior, o veterano...


Cada um deles tem exigências diferentes e um jogador, quando se inscreve numa prova, também tem que saber ao que vai.

Não estive nesse torneio. Nem sequer joguei qualquer prova do Circuito das Colectividades este ano (porque a prova anterior, contra o costume, estava limitada a X inscrições e eu não fui a tempo).
Mas a descrição não me surpreendeu.

Aquela limitação do n.º de inscritos já era sintomática e ajuda a caracterizar o circuito.

Quanto a este torneio em particular, a colectividade em causa - Desportivo de Portugal - não tem secção de xadrez há pelo menos 3 anos. Ainda assim disponibilizou-se e organizou a prova na sua sede.

O ponto 1 do regulamento da prova (http://www.axp.pt/torneios_rapidas/2008/Desportivo-Portugal_2008-regul.pdf/download) diz expressamente que o torneio, co-organizado com a Junta de Freguesia - é também "destinado a jogadores não federados".


Para mim, o facto de haver um torneio num clube que não tem secção de xadrez, para jogadores não federados, é um bom sintoma.

O ponto é que não se pode ir a um torneio de bairro com a expectativa de jogar as Olimpíadas.

E que tal uma partidinha de Poker ???